quarta-feira, 30 de setembro de 2009

de panacéia mística à especialidade médica


                     Comprovação científica e eficácia terapêutica
    


 A visão da imprensa nos sugere a existência de um eixo explicativo para a crescente aceitação da acupuntura, onde esta transita entre a crendice e o charlatanismo, de um lado, e como portadora de um possível status científico, de outro. No entanto, as posições que a acupuntura vem alcançando ao longo deste eixo, embora exerçam uma importante influência, não parecem estar determinando sua crescente percepção como uma abordagem legítima face ao adoecimento. 
    
 Os resultados das pesquisas científicas mencionados nos jornais informam sobre a confirmação da ação da acupuntura sobre a sensação dolorosa, através de explicação em termos neurofisiológicos e bioquímicos. Mas isto representa apenas um início na tentativa de explicar cientificamente os mecanismos de ação da acupuntura. Ainda assim, as respostas produzidas pelo sistema nervoso de acordo com os diferentes pontos escolhidos permanecem um mistério para os pesquisadores. Tenta-se fazer acreditar que às conquistas no campo científico possam corresponder progressos na efetividade terapêutica da acupuntura, o que não é necessariamente verdadeiro. Parece razoável concluir que as novas vinculações institucionais com as ciências biomédicas nas uni-versidades são exibidas para persuadir a opinião pública e os legisladores, explorando assim mais ideológica que academicamente o prestígio da ciência. A aceitação da eficácia da acupuntura, mesmo em sua ação sobre a dor, vem ocorrendo, em larga medida, independentemente do progresso do conhecimento médico sobre os seus mecanismos de ação. A constatação de sua efetividade e eficácia, por parte de pacientes e terapeutas, tem sido, em nosso entendimento, o principal fator a motivar sua adoção e expansão nos serviços e nas instituições de atenção à saúde (...).

Trecho retirado do seguinte estudo: NASCIMENTO, M. C. do: De panacéia mística a especialidade médica: a acupuntura na visão da imprensa escrita. História, Ciências, Saúde — Manguinhos, V(1): 99-113 mar.-jun. 1998.


link: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59701998000100005&lng=pt&nrm=iso#not8#not8


terça-feira, 29 de setembro de 2009

ponto de equilíbrio


Yin e Yang: o equilíbrio do movimento


Leonardo Boff

A tradição do Tao vê a história como um jogo dialético e complementar de dois princípios: yin e yang, forças subjacentes a todos os fenômenos humanos e cósmicos. Procurando luzes para entender e sair da crise global talvez este olhar holístico dos sábios orientais nos possa inspirar.
A figura de referência para representar estes dois princípios é a montanha. O lado norte, coberto pela sombra, é o yin, que em chinês quer dizer sombreamento e corresponde à dimensão Terra. Ele se expressa pelas qualidades da anima, do feminino nos homens e nas mulheres: o cuidado, a ternura, a acolhida, a cooperação, a intuição e a sensibilidade pelos mistérios da vida.
O yang significa a luminosidade do lado sul e corresponde à dimensão Céu. Ele ganha corpo no animus, as qualidades masculinas no homem e na mulher como o trabalho, a competição, o uso da força, a objetivação do mundo, a análise e a racionalidade discursiva e técnica.
A sabedoria milenar do Taoísmo ensina que estas duas forças devem ser balanceadas para que o caminhar das coisas se faça de forma, a um tempo, dinâmica e harmônica. Pode ocorrer que uma predomine sobre a outra, mas importa buscar, o tempo todo, o equilíbrio difícil entre elas.
O yin e o yang remetem a uma energia mais originária, um círculo que contem a ambos: o Shi.
O Shi é a energia cósmica que tudo sustenta, penetra e move A teologia yorubá e nagô, tão presentes na Bahia, ensina que essa energia é o Axé universal, com as mesmas funções do Shi.
Os cristãos falam do Spiritus Creator, ou do Sopro cósmico, que enche e dinamiza toda a criação.
Os modernos cosmólogos se referem à constante cosmológica que é Energia de fundo que produziu aquele minúsculo ponto que se inflacionou e depois explodiu – big bang – dando origem ao nosso universo.
Após esta incomensurável explosão, a Energia de fundo se desdobrou nas quatro forças fundamentais que atuam sempre juntas e que subjazem a todos os eventos – a energia gravitacional, eletromagnética, nuclear fraca e forte – para as quais não existe, na verdade, nenhuma teoria explicativa.
Nossa cultura ocidental, hoje globalizada, rompeu essa visão integradora e dinâmica. Ela enfatizou tanto o yang que tornou anêmico o yin. Por isso, permitiu que o racional recalcasse o emocional, que a ciência se inimizasse com a espiritualidade, que o poder negasse o carisma, que a concorrência prevalecesse sobre a cooperação e a exploração da natureza descurasse o cuidado e o respeito devidos.
Esse desequilíbrio originou o antropocentrismo, o patriarcalismo, a pobreza espiritual, a cultura materialista e predadora e a atual crise ecológica global.
Somente com a integração da força do yin, da anima, da logique du coeur (Pascal), do mundo dos valores, corrigindo a exacerbação do yang, do animus, do espírito de dominação, podemos proceder às correções necessárias e dar um novo rumo ao nosso projeto planetário.
Na tradição do cânon ocidental expressamos o mesmo fenômeno do yin e do yang referindo-nos a duas figuras mitológicas: Apolo e Dionísio.
A dimensão Apolo está no lugar da ordem, da razão, da disciplina, numa palavra da lei do dia sob a qual se rege a sociedade organizada. A dimensão Dionísio representa a liberdade face às leis, a coragem de violar interditos, a exaltação da alegria de viver e a inauguração do novo, numa palavra, a lei da noite, que é o momento em que as censuras caem e tudo fica gris e indefinido.
Atualmente vivemos uma conjuntura toda particular, marcada pelo excesso. Perdemos a coexistência do yin com o yang, de Apolo com Dionísio.
Se não encontrarmos um ponto de equilíbrio tudo pode acontecer, até um flagelo antropológico. Precisamos de uma loucura sábia que possibilite uma nova síntese entre esses dois pólos para reinventar um novo caminho que nos garanta o futuro.

Leonardo Boff é autor de Ética da vida: a nova centralidade, Record 2009.


Texto retirado do blog do Noblat: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2009/09/29/yin-yang-equilibrio-do-movimento-227526.asp

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

especialidades


Especialista em Acupuntura ou Acupunturista em especial?


Este artigo nasce da necessidade de prestar esclarecimentos à população interessada e de traçar novos caminhos de diálogo entre as categorias profissionais envolvidas nos processos de consolidação da Acupuntura - Medicina Tradicional Chinesa (MTC) - no Brasil.

Antes de entrarmos no mérito da discussão, creio oportuno dar uma sutil pincelada sobre alguns fatos importantes nesse campo controverso:

1. A MTC é uma Ciência Milenar ampla e profundamente documentada em extensa literatura e segue seu caminho em adaptação dinâmica no tempo-espaço (cruzando os milênios e adentrando no ocidente), pautada numa forma de pensamento (Taoísmo) que contempla a transformação contínua de todas as coisas (portanto, não é uma forma de tradicionalismo estanque, e sim uma ciência viva e em constante mutação);

2. “A Medicina Tradicional Chinesa caracteriza-se por um Sistema Médico Integral, originado há milhares de anos na China.” (trecho retirado da Portaria 971);

3. A MTC possui um corpo teórico-prático coeso de entendimento sobre os mecanismos da vida (fisiologia na MTC), de investigação sobre as causas das desarmonias e sobre a consolidação dos estados de desequilíbrio (fisiopatologia na MTC), de tratamentos eficazes desses estados desarmônicos e de prevenção dinâmica de problemas futuros (Acupuntura Tradicional, Tuiná, Fitoterapia Chinesa, Qi Gong, Lian Gong, Tai Ji Quan, Alimentação Terapêutica);

4. A acupuntura era considerada, até poucas décadas atrás, uma forma de curandeirismo pelo meio científico convencional ocidental e agora passou a ser uma prática científica oficial e irrevogável, sem que nada de novo tenha sido incorporado aos seus fundamentos e diretrizes;

5. A Portaria 971 regulamenta a entrada de Práticas Integrativas no SUS, incluídas a Acupuntura e a Fitoterapia, exercidas pelos profissionais da Área da Saúde; 

6. Atualmente tramitam no Congresso Nacional dois grandes projetos que visam regulamentar a Acupuntura como profissão autônoma e Independente, e vêm sendo ambos bastante desfigurados pelos coletivos de profissionais da Área da Saúde, já contemplados com a especialidade em Acupuntura;

7. Existem no Brasil, desde 1980, cursos técnicos em Acupuntura (alguns com mais de 2.500 horas totalmente presenciais), com formato e densidade acadêmica e preocupados em disseminar a Ciência milenar da Acupuntura, formando profissionais completos, com conhecimento das biociências ocidentais e da grandiosa Medicina Chinesa;

8. A OMS criou diretrizes para a capacitação plena de acupunturistas autônomos e recomenda a inserção desses profissionais nos sistemas de saúde de seus países membros.

Acabado esse necessário intróito, lanço aqui uma pergunta chave: queremos especialistas de profissões da área de saúde, que contam com um corpo teórico distante da MTC, armados somente com uma técnica mal acabada a favor da mesma visão já consolidada nos cursos habituais ou, por outro lado, queremos profissionais imersos numa visão integral do ser humano, com uma formação exaustiva e investigativa sobre os preceitos mais caros dessa ciência que atravessa milênios? Essa não é uma pergunta fácil, mas merece ser estudada com carinho por aqueles que desejam conhecer a Acupuntura em sua plenitude, seja através de uma Pós-graduação ou de uma formação Técnica. Os interessados na acupuntura devem saber que ambas as formações são apenas conjunturais (sobrevivem devido a um desconhecimento geral, ou interesses parciais, sobre a grandiosidade dessa Ciência) e que não retratam a necessidade ideal de apreensão plena desse conhecimento.

Sendo assim, termino com um chamado aos profissionais envolvidos no processo educacional, sejam educadores ou pesquisadores, sejam estudantes: primemos por uma formação sólida e consistente, sem prescindir dos fundamentos desse Saber transdisciplinar e sem esquecer os mais nobres preceitos da Ciência, como a busca livre pelo conhecimento e a coragem para enfrentar o desconhecido, sem as amarras dos dogmas científicos e suas certezas engessadas.

Pedro Ivo é professor da Escola Nacional de Acupuntura, ENAc.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

filosofias


Lao-Tzu e Heráclito
paralelos entre taoísmo e filosofia grega


por Aláya Dullius


“Não se deve considerar alguns dias bons e outros maus, pois isso é ignorar que a natureza de cada dia é uma e a mesma... o Sol é novo todos os dias”. Heráclito de Éfeso


“... O Um, seu aspecto superior não é luminoso. Seu aspecto inferior não é escuro. Nascendo continuamente, não se pode nomeá-lo...” Lao-Tzu






No fim do século VII a.C. nasceu um homem cujos ensinamentos reverberaram por muitos séculos, e por diversos caminhos chegam hoje a nós. Podemos encontrar ecos dos escritos desse “velho professor” - como ficou conhecido Lao-Tzu - nos mais diversos campos de expressão humana, e especialmente, em certas filosofias.
O mundo acadêmico, ainda muito imbuído de velhos preconceitos, considera ordinariamente que a filosofia é um produto da cultura grega, e que iniciou no século VI a.C. Bornheim[1] escreve, na introdução de seu livro Os filósofos Pré-Socráticos, que não podemos ignorar que os povos vizinhos do oriente possam ter tido influência na formação da filosofia grega. Não se trata aqui de uma disputa pelo monopólio da origem da filosofia, mas antes uma reflexão sobre nossa necessidade de permitirmos vislumbrar outros horizontes a partir de perspectivas mais amplas sobre o que é filosofia. “O mundo pode ocasionalmente maravilhar-se com o extremo encanto do florescer simultâneo de várias e ricas civilizações através do mundo que, apesar de suas diferenças étnicas e culturais, guardam, em seu âmago, impressionantes similaridades com respeito a um conjunto de percepções e pensamentos. Embora se costume diferenciar as culturas do ocidente e do oriente como sendo extremamente diversas (e, em certo sentido, o são de fato), existem muito mais pontos de contato e de semelhanças entre elas do que se é comumente aceito, em especial no que diz respeito ao pensamento especulativo ou filosófico”.[2]
Se justapusermos alguns dos importantes fragmentos do pré-socrático Heráclito aos versos do Tao Te King de Lao-Tzu, talvez possamos perceber que “muitos dos temas que vão ocupar os filósofos gregos estão longe de poderem ser considerados originais”[3]. Quem sabe então passemos a considerar Lao-Tzu também um filósofo, e adiantaremos em um século a suposta “origem da filosofia”. Porém, nesse exercício de elasticidade mental, talvez nos demos conta de que tentar estabelecer uma origem temporal e geográfica para algo tão intrínseco da natureza humana, isto é, filosofar e buscar respostas, é um tanto quanto infrutífero. Não podemos julgar a filosofia a partir de nosso preconceitos culturais de hoje, já que é preciso entender as idéias dentro de seu próprio contexto de origem, e não atribuir a elas valores que nunca possuíram de fato; como por exemplo compreender que a physis grega não é nossa natureza e que Theos não é nosso Deus judaico-cristão.
Para o chinês Lao-Tzu natureza também tinha um significado muito mais amplo do que o entendemos hoje no mundo ocidental. E se Heráclito de Éfeso -- nascido no que hoje é a Turquia, menos de um século após o surgimento do Taoísmo -- bebeu dessas fontes taoístas e foi por elas influenciado; ou a partir de suas próprias reflexões chegou a semelhantes conclusões; pouco importa. De ambas as formas é interessante observar como essa sabedoria reverbera nas mais diversas épocas e regiões e permeia a filosofia. É surpreendente que as similitudes entre as visões de mundo destes dois filósofos não sejam comumente reconhecidas.
Algumas das idéias básicas que podemos extrair dos poucos fragmentos gregos que restaram de Heráclito demonstram que ele falava de uma unidade fundamental de todas as coisas, e que todas as coisas estão em movimento, movimento este que se processa através da harmonia de contrários. Da mesma forma Lao-Tzu possuía “uma percepção orgânica e holística do mundo, visto como uma manifestação dinâmica de uma realidade profunda, transcendente e implícita que dá origem a tudo o que existe, e cuja principal característica, sua única constante, é exatamente a contínua transformação das coisas com vistas à renovação e ao equilíbrio dinâmico de tudo o que há”.[4]
Talvez uma das mais conhecidas imagens criadas por Heráclito que ilustrem a questão do devir é a questão do rio: “Para os que entram nos mesmos rios, correm outras e novas águas... Entramos e não entramos nos mesmos rios; somos e não somos... Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. Dispersa-se e reúne-se; avança e se retira”[5]. Essa ênfase na mudança continua, o “tudo flui” tão presente em Heráclito, possui “uma imagem muito semelhante à idéia chinesa do Tao que se manifesta na interação cíclica do yin e do yang[6]. Nas palavras de Lao-Tzu “O Tao flui sem cessar”[7].
Tanto Heráclito como Lao-Tzu consideram os opostos como pólos de uma mesma interação dinâmica. O chinês afirma “se todos reconhecem o bem como bem, deste modo já se pressupõe o mal. O antes e o depois se seguem mutuamente”. Podemos dizer que yin e yang são energias complementares e que não existem uma sem a outra, pois o conceito sobre algo depende de um oposto que possa ser comparado. Também Heráclito vai encontrar uma unidade nessa dualidade: “Correlações: completo e incompleto, concorde e discorde, harmonia e desarmonia, e de todas as coisas, um, e de um, todas as coisas”.
Mais interessante ainda fica comparar a passagem de Lao-Tzu: “que diferença existe entre o ‘bem’ e o ‘mal’?... todas as coisas, por mais diversas que sejam, retornam à sua raiz”, com Heráclito: “Bem e mal são uma e a mesma coisa. O caminho para baixo e o caminho para cima é um e o mesmo”. Novamente é a compreensão de que os conceitos só existem quando em relação à outra coisa, e que, interligados em um movimento constante, formam a unicidade, ou o Tao.
O símbolo a que chamamos Tao é um circulo que mostra o movimento de duas energias (yin e yang, preto e branco), cada uma contendo em si a semente da outra. No Tao Te King é dito que “no movimento, o bem se manifesta na oportunidade de ação”. O Filósofo grego também considera o movimento algo muito importante, chegando a dizer que “movendo-se, descansa”. Ainda por cima ele alude ao símbolo de uma circunferência: “Na circunferência, o princípio e o fim se confundem”.
Tradicionalmente se relaciona o yin com a noite, o inverno, o repouso, e o yang com seu oposto de movimento, dia, calor etc. Para Heráclito a ‘divindade’ é “dia e noite, inverno e verão, guerra e paz, abundância e fome. Toma formas variadas, assim como o fogo quando misturado com essências. O fogo se transforma em todas as coisas e todas as coisas se transformam no fogo”.
E a partir disso retiramos outra idéia importante para o filósofo grego: o fogo que a tudo transforma. Mas não é uma referência ao fogo físico, mas a um Fogo-Logos, um “fogo-chi” que transforma e dá vida às coisas. E do fogo surgem os elementos, que geram um ao outros, assim como no taoísmo. Heráclito diz: “O fogo vive a morte da terra e o ar vive a morte do fogo; a água vive a morte do ar e a terra a da água... O frio torna-se quente, o quente frio, o úmido seco e o seco úmido”. Taoísmo? Medicina Chinesa? Não... filosofia grega!
E se pensas estar lendo taoísmo ao se deparar com a seguinte sentença: “Tudo se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia”, então tenha certeza, Heráclito de Éfeso foi um tanto quanto taoísta. E se “o Tao que pode ser pronunciado não é o Tao eterno” (Lao-Tzu), ou se os homens jamais compreenderão o Logos, se “mesmo percorrendo todos os caminhos, jamais encontrarás os limites da alma, tão profundo é o seu Logos.” (Heráclito), então, aproveitando outra deixa do Tao Te King “realizada a obra, é hora de se afastar”.

Aláya Dullius é bacharel em Letras e Mestranda em Filosofia Antiga pela UnB e aluna do 2° semestre da Escola Nacional de Acupuntura - ENAc.

[1] BORHEIM, Gerd A. Os Filósofos Pré-Socráticos. São Paulo, Cultrix: 1993.
[2] GUIMARÃES, Carlos. A. F. Lao-Tse é o Taoísmo.
[3] CAPRA, Fritjof - O Tao da Física. São Paulo, Editora Cultrix, 1993
[4] GUIMARÃES, Carlos. A. F. Lao-Tse é o Taoísmo.
[5] BORHEIM, Gerd A. Os Filósofos Pré-Socráticos. São Paulo, Cultrix: 1993.
[6] CAPRA, Fritjof - O Tao da Física. São Paulo, Editora Cultrix, 1993
[7] LAO-TZU. Tao-Te King. São Paulo, Pensamento, 1995.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

arte



O grande desafio dos artistas é aniquilar o equilíbrio estático em suas pinturas através de oposições (contrastes) contínuas dentre as maneiras de expressão. É absolutamente natural os seres humanos buscarem um equilíbrio estático. Esse equilíbrio, evidentemente, é necessário para a existência no tempo. Mas a vitalidade na sucessão contínua do tempo sempre destrói esse equilíbrio.” [1]

Piet Mondrian[2]




Piet Mondrian via na arte uma maneira de expressar sua concepção sobre a vida. Vida em constante movimento, onde dualidades/oposições interagem num equilíbrio dinâmico. Em suas obras, Mondrian fez uso das linhas horizontal e vertical como expressão de opostos. Segmentos coloridos e não-coloridos de suas telas transmitem a mesma idéia de oposição (vermelho-quente / azul-frio). A linha vertical representaria o masculino, o mental/espiritual; a linha horizontal (alinhada com a terra), o feminino e o material. Luz e não-luz é outra das dicotomias presentes. As dualidades não são estanques. As linhas vertical e horizontal formam ângulos de noventa graus, sugerindo que os opostos se encontram. As linhas e seus encontros (interseções) conduzem o observador à seguinte pergunta: o que é “fundo”, o que é “figura”? Tanto as linhas quanto as partes coloridas e não-coloridas poderiam ser, simultaneamente, “figura” e “fundo”, situadas em um mesmo plano. A imagem pode ser vista, então, como uma totalidade. Ao olhar para as obras de Mondrian, repare: você enxerga as grades ou os compartimentos coloridos e não-coloridos?

É perceptível a intenção do artista de dispor os elementos de sua obra como um “continuum” de cores, luminosidade, traçados e interseções, de dispô-los como possibilidades de gradações. Ao mesmo tempo, também ao fazer uso de intervalos desiguais entre as linhas cria um visual de ritmo (como em Broadway Boogie-Woogie que sofreu também a influência do jazz americano, ritmo livre, improvisado, sem repetições). Mondrian cumpre assim a tarefa de destruição de uma forma particular e realiza a construção de um ritmo de relações entre oposições, gradações, interseções e intervalos, que transmitem a sensação de movimento, de forças em equilíbrio não-estático, ou seja, em equilíbrio dinâmico.

Mondrian, Dao De Jing / Pensamento Chinês e a Medicina Chinesa

A concepção de equilíbrio dinâmico de Mondrian, com o“precário” equilíbrio entre forças opostas, variáveis e mutantes, sua concepção de vida e arte parecem incrivelmente alinhadas com as idéias de Dao De Jing (base da Medicina Chinesa). Na observação e análise do mundo, os chineses já haviam compreendido os princípios Yin e Yang como polaridades do universo – opostos, mas também complementares, interdependentes, que se consomem mutuamente e podem transformar-se em seu oposto. Yin e Yang interagem consoante o ritmo cíclico da Natureza, evidenciando diversos momentos/movimentos de um mesmo processo, de um mesmo todo. São movimentos incessantes, num contínuo fluxo, num “continuum” de transformações. Transformação e mudança são características essenciais da natureza e dos processos vivos. Entre Yin e Yang encontram-se toda a diversidade possível, as infinitas possibilidades. As dualidades são aspectos de uma mesma coisa: o uno dividido em dois, depois em muitas e infinitas partes.

Dessa forma, para a Medicina Chinesa, a saúde e a doença podem ser aspectos de um mesmo processo. Processo num equilíbrio dinâmico, com flutuações constantes, possibilidades diversas, e que portanto necessita constantemente de ajustes.

Como seres vivos parte da natureza e do universo buscamos a harmonia, o equilíbrio, que, conforme já mencionado, não é estático, mas dinâmico. Estamos em constante movimento, e constantemente em mudanças. Mas o importante é o momento presente. O pensamento não deve estar no passado nem no futuro. Conhecemos o caminho a cada instante, é espontâneo: não pode ser visto, não pode ser conhecido de antemão, o que se vê são projeções que atendem a desejos e que não nos permitem estar aqui e agora. Os desejos não respeitam a natureza, tendem a deixar o coração inquieto e reduzem a capacidade de auto-regulação.

A Medicina Chinesa busca ativar os mecanismos auto-regulatórios naturais do próprio corpo humano, reduzindo a necessidade de ajustes muito grandes e excessivamente drásticos, mesmo com os movimentos e as mudanças. O equilíbrio dinâmico aprecia a ação espontânea segundo o Dao.

Kelly Chung

trabalho produzido para a disciplina Fundamentos do Pensamento Oriental, para o curso de formação profissional em Acupuntura, da Escola Nacional de Acupuntura.



Referências

- Argan, Giulio Carlo, Arte Moderna: Do Iluminismo aos Movimentos Contemporâneos, Companhia das Letras, 1988.

- Capra, Fritjof, O Ponto de Mutação, Editora Cultrix, 1982.

- D’Agostini, Luiz Renato e Cunha, Ana Paula Pereira, Ambiente, Editora Garamond, Rio de Janeiro, 2007.

- Kinsella, John, Pure Work: Mallarmé, Mondrian and Adamson”, in: Salt Magazine, http://www.saltpublishing.com/saltmagazine/issues/01/text/Brennan_Michael_02.htm.

- Kruger, Runette, Art in the Fourth Dimension: Giving Form to Form – The Abstract Paintings of Piet Mondrian, http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4351.pdf.

- Lao Tsé, O Livro do Caminho Perfeito: Tao Té Ching, tradução e adaptação de Murillo Nunes de Azevedo, Editora Pensamento, São Paulo.

- Lao Tse, Tao Te Ching: O Livro do Caminho e da Virtude, tradução de Wu Juh Cherng, http://www.taoismo.org.br.

- Tate Collection, Composition B (No.II) with Red 1935, http://www.tate.org.uk/servlet/ViewWork?cgroupid=-1&workid=26773&searchid=false&roomid=false&tabview=text&texttype=10.

- The Free Library, Piet Mondrian: tableau with large red plane, blue, black, light green and greyish blue, 1921, http://www.thefreelibrary.com/Piet+Mondrian:+tableau+with+large+red+plane,+blue,+black,+light+green...-a0155404638.]

[1] Livre tradução de citação de Piet Mondrian, no artigo “Pure Work: Mallarmé, Mondrian and Adamson”, John Kinsella, Salt Magazine, http://www.saltpublishing.com/saltmagazine/issues/01/text/Brennan_Michael_02.htm.

[2] Piet Mondrian (1872-1944)- Pintor Holandês, no início de sua vida, recebeu grande influência do Calvinismo, com uma educação muito rígida (pai era pastor). Em 1914 associa-se ao movimento Neoplástico e por volta de 1920, chega ao estágio de pura abstração.