segunda-feira, 27 de julho de 2009
justiça seja feita
domingo, 26 de julho de 2009
mutações
I CHING: O Livro das Mutações
Todos os elementos da natureza estão em permanente estado de combinação, interação, mutação, em busca de um equilíbrio dinâmico e do estado natural das coisas. Ao observarmos esse ponto de vista, percebemos que existe uma ordem, um sentido que rege todos esses arranjos, combinações e interações. Este sentido subjacente a todas as coisas foi chamado TAO pelos sábios da antiguidade chinesa.
Citando um exemplo bem simples, podemos dizer que cada estação do ano corresponde a um arranjo da natureza, tornando mais propícia a vida de determinadas plantas e animais e mais propícias determinadas ações do homem. Assim, o TAO rege também os comportamentos, as virtudes e as ações humanas, de modo que a sabedoria residiria em conseguir apreender a ordem, o sentido vigente em determinada época ou momento e viver em harmonia com ele.
Uma determinada virtude, um valor ético ou mesmo um governante perde sua legitimidade quando deixa de estar em sintonia com a totalidade, com o arranjo, o sentido (TAO) que rege aquele determinado momento. Pode haver o momento da virtude tolerante, o momento da virtude guerreira, o momento da sabedoria e da astúcia, o momento de unir e o de separar.
O TAO nos incita a penetrar e a fundir com a totalidade, mas isso não é possível apenas com o uso do nosso lado racional, é necessário dissolver nosso próprio eu na totalidade e alcançar estados de consciência (ou de inconsciência) por meio dos quais o eu e a natureza se tornem juntos um contínuo de existência, energia e percepção.
Aqui entra o Livro das Mutações ( I Ching ): um tratado científico e filosófico através do qual homem tentou materializar em símbolos o sistema natural da vida, assumindo a necessidade de entender e tentar harmonizar-se com tudo que existe ao seu redor. O I Ching é como se fosse um código para a compreensão dos fenômenos da vida dentro dos ciclos de transmutação nos quais estamos inseridos. Um código que, quando compreendido corretamente através do aprofundamento de nossas vivências em sua sabedoria, nos permite estar em harmonia com todos os processos de mutação de nossas vidas. Algo como encontrar o caminho da menor resistência aprendendo a fluir cada vez mais a favor da corrente.
É um oráculo que representa o presente - e os movimentos que regem o presente - sem considerar uma equação linear de causa e efeito e sim a sincronicidade entre acontecimentos. Nas palavras do sábio (o próprio I Ching): “a coincidência dos acontecimentos, no espaço e no tempo, significa algo mais que mero acaso, precisamente uma peculiar interdependência de eventos objetivos entre si”. A importância crucial desse livro reside em seu potencial para servir de ponte entre nós e a ordem natural das coisas; para entendê-lo será preciso assumir que suas palavras emergem de nossa interação com o sábio que há em nós mesmos.
Tatiana é aluna do curso de formação profissional em Acupuntura, da Escola Nacional de Acupuntura - ENAc.
sexta-feira, 24 de julho de 2009
acupuntura no ocidente
A Integração dos Dois Sistemas no Ocidente
Guido Palmeira
A acupuntura é apenas uma das técnicas terapêuticas que compõem um conjunto de saberes e procedimentos culturalmente constituídos, e dos quais não pode ser dissociada. Além das agulhas, a medicina tradicional utiliza ervas, massagens, exercícios físicos, dietas alimentares, e prescreve normas higiênicas de conduta. Sua lógica é a mesma que orientou toda a vida social da China, no período em que foi desenvolvida: o calendário agrícola, as festas coletivas, os princípios de comportamento social, as regras de etiqueta no trato com as autoridades, a religião, a música, a arquitetura... Os princípios teóricos a partir dos quais as doenças são entendidas, classificadas e tratadas são os mesmos que servem para entender, classificar e lidar com as coisas do mundo', a natureza, o espaço e o tempo. (A este respeito ver: Granet, 1968).
Pretender que a eficácia de um saber que, segundo Cai Jing Feng, "tem controlado as maiores epidemias de doenças infecciosas na história da China", deva-se a que a introdução de agulhas, em determinados pontos, tenha como conseqüência a liberação de mediadores bioquímicos que interferem no fenômeno da dor; e que o sucesso obtido pelos chineses com a acupuntura durante dois mil e quinhentos anos de desenvolvimento seja fruto apenas da acumulação de observações empíricas, é fechar os olhos ao saber tradicional, é descaracterizá-lo, é optar por uma 'cegueira etnocêntrica'.
Embora os autores orientais considerem que a política de integração entre os dois sistemas, praticada na China desde 1949, tenha permitido um grande desenvolvimento não só na atenção à saúde do povo chinês, como da própria medicina tradicional — e o surgimento das técnicas de anestesia cirúrgica com acupuntura nos anos cinqüenta testemunha que têm razão —, a recíproca pode não ser verdadeira.
Nos últimos quarenta anos, o oriente desenvolveu novas técnicas terapêuticas, associando o saber milenar com o saber e a técnica ocidentais. Ao ocidente, que não domina o saber tradicional, — ao contrário, o nega — restou a pobre e limitada perspectiva de procurar esclarecer, com seus próprios recursos teóricos, os mecanismos de ação e os efeitos de uma técnica oriental isolada em uma situação específica, a dor. No ocidente, a procura da cientificidade da acupuntura, ao contrário de esclarecer (ou legitimar) o saber que lhe dá sentido, tem sido a busca da confirmação da hegemonia da ciência médica, a possibilidade de fazê-la capaz de explicar os efeitos até então enigmáticos das agulhas.
Se o crescimento da aceitação da acupuntura no ocidente pode ser o reflexo da crise da medicina científica, e se a crise da medicina ocidental se identifica com a crise de seu paradigma positivista; então os estudos 'científicos' da acupuntura pouco poderão contribuir para a superação dessa crise, enquanto insistirem em negar a possibilidade de uma medicina, de uma ciência de dois mil e quinhentos anos, que tem a sua lógica própria, diferente daquela da ciência ocidental.
É possível (quiçá provável) que a maior colaboração que o oriente possa trazer a medicina ocidental não esteja na sua técnica, mas no seu saber, nos conceitos a respeito da natureza e da causalidade das doenças, na sua visão holística do ser humano, na valorização da tendência à autocura inerente ao organismo, no significado do "equilíbrio" que se busca com a terapia.
No entanto, para se ter acesso ao saber tradicional, será preciso compreender os seus princípios, poder perceber claramente o Yin e o Yang no mundo, e a possibilidade do Tao (3); será preciso reconhecer na natureza, no céu e na terra, as seis energias e os cinco elementos, aprender a distinguir, no exame do paciente, onde está o frio e onde está o calor, onde estão as insuficiências e onde estão os excessos.
Para se ter acesso ao saber tradicional, será preciso admitir a possibilidade de que estas categorias possam se organizar em um sistema coerente cuja lógica, que orientou tanto a ordenação biológica quanto a ordenação social da China, durante a maior parte dos últimos vinte e cinco séculos, deve ser apreendida não só pelo estudo da medicina, como pela compreensão da religião, da filosofia, dos costumes, enfim, da história e da cultura da civilização chinesa.
Guido Palmeira é Pesquisador do DEMQS/ Ensp/ Fiocruz
Trecho do estudo "Acupuntura no Ocidente" publicado no Cadernos de Saúde Pública. Para leitura completa acessar: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X1990000200002&script=sci_arttext
domingo, 12 de julho de 2009
A Carta
Carta da Transdisciplinaridade, redigida em 1994 por
Basarab Nicolescu (Físico romeno), Edgar Morin
(Sociólogo e Pensador francês) e Lima de Freitas
(Artista e escritor português).
Pedro Ivo
Considerando que a Medicina Tradicional Chinesa (MTC) é uma ciência milenar documentada em extensa literatura, há mais de 2.000 anos, e que sua eficácia como sistema terapêutico independente e auto-suficiente se mantém ao longo desses milênios e segue cada vez mais viva e atual, justamente por seu caráter atemporal;
Considerando que seu Sistema de Padrões e Correspondências entre os seres humanos e as forças da natureza e sua visão da continuidade entre corpo, mente e espírito como uma única, e indissociável, entidade integrada, continuam encantando a população em geral independentemente, ou apesar, das comprovações científicas parciais, pobres (às vezes tendenciosas) e pautadas em um paradigma estranho à MTC ;
Considerando que a MTC é um Sistema Terapêutico completo que contempla o Ser Humano em sua integralidade e conta com uma gama de recursos terapêuticos que auxiliam os indivíduos em seu equilíbrio dinâmico e ativam o potencial de cada um de se auto-regular, podendo ser considerada, portanto, um Saber Tradicional com uma racionalidade própria e com grande potencial para satisfazer as necessidades do Estado de lançar-mão de práticas preventivas reais e de baixo custo, que visem mais amplamente a saúde e não somente a doença;
Considerando que as práticas da MTC – a Acupuntura, o Tui Na (Massoterapia Chinesa), a moxabustão, as práticas meditativas corporais (Tai Chi Chuan, Chi Kung e Lian Kung), a Fitoterapia (na farmacopéia chinesa), a Alimentação Terapêutica Chinesa, o Feng Shui, etc – estão todas apoiadas em uma racionalidade própria que tem como base o pensamento taoísta;
Considerando também que já existem grupos de estudo em nossa Universidades ocidentais,como o "racionalidades médicas" , que reconhecem e definem a MTC como um Sistema Médico Independente e Autônomo, dotado de uma racionalidade médica própria;
Considerando que o pensamento taoísta e a consolidação do Saber da MTC (Acupuntura) no ocidente estão em comunhão com o Saber Complexo que, segundo Edgar Morin, “requer um pensamento que capte relações, interrelações, implicações mútuas, fenômenos multidimensionais, realidades que são simultaneamente solidárias e conflitivas, que respeite a diversidade, ao mesmo tempo que a unidade, um pensamento organizador que conceba a relação recíproca entre todas as partes”;
Considerando que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a adoção, por parte de seus países membros, da MTC (Acupuntura) como prática independente em seus serviços públicos de saúde e criou diretrizes para a capacitação plena de Acupunturistas autônomos;
Considerando que desde 1981 existem cursos técnicos de formação profissional em Acupuntura reconhecidos pelo MEC, que não guardam nenhuma relação de subordinação com nenhuma outra profissão da saúde, sendo alguns desses pautados em modelos acadêmicos de ensino e que somente alguns anos depois foi reconhecida a “especialidade” em Acupuntura pelos Fisioterapeutas e, somente em 1995, pelo coletivo Médico;
Considerando que nenhum dos cursos universitários da área de saúde hoje existentes no país contempla, em suas disciplinas de base, nem mesmo os fundamentos mais elementares da MTC, sendo algumas vezes orientados por princípios diametralmente opostos;
Considerando que grande parte dos profissionais da área de saúde que hoje lutam pela exclusividade da Acupuntura como “especialidade” obtiveram seus conhecimentos a partir de Acupunturistas Tradicionais, não médicos e na maioria das vezes também sem nenhum outro bacharelado da saúde ocidental;
Considerando que os Conselhos da área de saúde, que hoje reclamam a Acupuntura como especialidade, poucos anos atrás negavam, veementemente, sua eficácia e taxavam seus praticantes de curandeiros e charlatões;
Considerando ainda que a formatação da Acupuntura Científica parece mais se adequar a uma necessidade ou “Vontade de Verdade” (nas palavras de Michel Foucault) da Ciência Oficial do que de uma livre busca científica, onde a própria Ciência Oficial se coloca no papel de juiz das outras Ciências e promove uma racionalização que, nas palavras de Edgar Morin, “[...] consiste em querer encerrar a realidade num sistema coerente. E tudo o que, na realidade, contradiz este sistema coerente é desviado, esquecido, posto de lado, visto como ilusão ou aparência”;
Considerando também que o artigo primeiro da Carta supracitada proclama que “qualquer tentativa de reduzir o ser humano a uma mera definição e de dissolvê-lo nas estruturas formais, sejam elas quais forem, é incompatível com a visão transdisciplinar”;
Considerando tudo o que precede, venho propor a união de todos os que compartilham este Espírito Transdisciplinar em prol da consolidação da Medicina Tradicional Chinesa, sendo a Acupuntura sua ferramenta mais difundida, como um Sistema Único e devidamente regulamentado, livre das pressões corporativas e mercadológicas e em comunhão com toda a tendência mundial de expansão das práticas e dos Saberes Tradicionais e Naturais de forma independente e autônoma.
Bibliografia:
FOUCAULT, Michel. A Ordem do discurso. São Paulo: Loyola,1996.
MORIN, Edgar. Sobre a Reforma Universitária. Em: Educação e complexidade: Os Sete
Saberes, 11-25. São Paulo: Cortez Editores, 2002.
NICOLESCU, Basarab. Fundamentos Metodológicos do Diálogo Transcultural. Em: Edgard
de Assis & Terezinha Mendonça (orgs), Ensaios de Complexidade 2, 217-232. Porto alegre:
Editora Sulina, 2003.
FREITAS, Lima de; MORIN, Edgar; NICOLESCU, Basarab. Carta da Transdisciplinaridade.
Convento da Arrábida, 6 de novembro de 1994.