quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

autonomia


Acupuntura: Autonomia em benefício da saúde


Pedro Ivo

Em um momento de profundas discussões, envolvendo campos diversos da Saúde, das Humanidades e da Política, sobre os rumos do exercício da Acupuntura – Medicina Tradicional Chinesa (MTC) no Brasil, decorrente, em grande parte, da entrada em vigor da Portaria 971, a qual implementa o exercício da acupuntura em caráter multiprofissional no SUS (Sistema Único de Saúde), creio apropriado elucidar sucintamente os embates e práticas discursivas dos agentes implicados e alertar sobre os mecanismos da política de exclusão defendida e explicitada pelas associações médicas brasileiras (Conselho Federal de Medicina, Conselhos Regionais de Medicina, Sociedade Médica Brasileira de Acupuntura, entre outras), assim como, ainda que em menor medida e com uma aparência mais sutil e democrática, pelos Conselhos das profissões da Área de Saúde que reconhecem a acupuntura como uma especialização dentro de seu campo específico de atuação.


Pretendo com este artigo expor de maneira breve esta problemática para tentar ampliar esta discussão, a qual se perde na história da acupuntura no Brasil, com foco especial nos embates entre distintas áreas interessadas na regulamentação desta profissão – seja como especialidade médica exclusiva, seja multidisciplinar (como especialidade das diversas profissões da Área de Saúde) ou, ainda, como uma carreira independente das outras profissões – suscitados com a aprovação da Portaria 971 e com a tramitação de dois grandes Projetos de Lei que regulamentam a Acupuntura, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.


De um lado, com uma concepção mecanicista/determinista que considera os fenômenos vivos a partir de uma causalidade linear e separou a cultura humanista e a cultura científica (como diria Edgar Morin, em “Sobre a Reforma Universitária”), está a Medicina Convencional e sua racionalidade biomédica, a qual exige que a acupuntura seja “ exercida por profissionais com o devido treinamento e competência, com a formação adequada para diagnosticar doenças e tratar pacientes, ou seja, por médicos ” (nota da Associação Médica Brasileira [AMB]), e proclama que a acupuntura é científica ainda que seus mecanismos bioquímicos de ação sejam todavia obscuros, tendo-se em conta a amplitude de tratamentos recomendados pela OMS com o uso de acupuntura e considerando que estes estudos “científicos” apenas comprovam alguns caminhos fisiológicos de analgesia. De outro lado, estão as demais profissões da área de saúde (psicologia, farmácia, fisioterapia e terapia ocupacional, biomedicina, educação física e enfermagem), beneficiadas com a medida de caráter multidisciplinar (as quais também se inserem no contexto biomédico de explicação da eficácia da acupuntura). E situada em outro lócus distinto dos dois anteriores, exercendo sua “marginalidade”, se encontra a Acupuntura - MTC, a qual clama pelo reconhecimento simplesmente, o que pressupõe relações simétricas e livres de coação, que vão além de uma tolerância positiva ( tradução livre de Interculturalizando el multiculturalismo, Fidel Tubino Arias-Schreiber, pág.189).


Completando o anteriormente dito, gostaria de levantar alguns fatos para análise atenta dos leitores. Para os “iniciados” em Acupuntura - MTC é sabido que estamos falando de uma Ciência milenar transdisciplinar (não confundir com “multidisciplinar”) que contempla o ser humano como uma entidade complexa, onde corpo, mente e espírito estão em um jogo constante de conciliação. Porém, para os que, todavia, ainda não conhecem esta racionalidade complexa, lanço aqui um alerta: não se deixem enganar pelo discurso científico oficial que limita um Saber extremamente amplo a uma pequena técnica complementar a serviço do status quo; dito de outro modo, fazendo uso das palavras de Guido Palmeira, “ no ocidente, a procura da cientificidade da acupuntura, ao contrário de esclarecer (ou legitimar) o saber que lhe dá sentido, tem sido a busca da confirmação da hegemonia da ciência médica”.


E ainda aproveito este espaço para expor o óbvio. Se Conselhos de profissões da Saúde, com campos de ação tão definidos, como farmácia e educação física, ou fisioterapia e psicologia, avalizam a acupuntura como especialidade e proclamam, todos eles, que a acupuntura deve ser multiprofissional devido à sua amplitude de ação, então uma conclusão pode ser facilmente sacada à luz, mesmo pelos que nunca tiveram contato com este Saber Milenar: a Acupuntura - MTC é sim um Saber que inclui, com uma racionalidade própria, todos os outros saberes e, inclusive, os extrapola, e portanto já deveria, neste momento, estar sendo exercida como uma profissão autônoma e independente.


Vale ressaltar que os portadores de diplomas de nível superior de outras áreas da saúde, com suas formações prévias, não estariam em condição nenhuma de vantagem no correto processo de Formação de um profissional de Acupuntura, muito pelo contrário, seria necessário sim que se submetessem a um outro processo extensivo de ensino, na busca de um novo Diploma específico e autônomo e não apenas mais um certificado de extensão ou especialização, dentro dos já tão “prostituídos” cursos livres ou de “PósGraduação” Lato Sensu, com parcos encontros (muitas vezes em finais de semana e, alguns, apenas uma vez por mês. Não se pode aprender um novo (e antigo) sistema terapêutico desta maneira!


Finalizando, acho que o caminho do reconhecimento e da aceitação mútuos, da definição dos campos de ação e do entendimento da possível coexistência de Ciências Terapêuticas não-exclusivas, pode ser o caminho menos traumático e mais democrático – além de estar em sintonia com as diretrizes do SUS - para o futuro da Saúde (em maiúscula) no Brasil e faço a ressalva de que a intenção última deste texto é colaborar consistentemente na ampliação desta discussão que tanto afeta o futuro de inúmeros profissionais da saúde, as políticas de saúde pública no Brasil e, por conseqüência, a saúde global da população.


Pedro Ivo é professor da Escola Nacional de Acupuntura - ENAc



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